terça-feira, janeiro 27, 2004

Os gloriosos malucos das máquinas "voadoras"...

Portugal é um país estranho. Neste cantinho à beira-mar plantado, vivemos vítimas de auto-preconceito, pobres de espírito e de bolso, sofrendo de uma auto-comiseração que me irrita profundamente...
Excepto quando andamos de carro... Aí, Ayrton Senna era uma tartaruga, Nikki Lauda é uma personagem do imaginário infantil e Shumaker mais parece andar de Mini...
Quando estamos dentro da máquina, somos poderosos, somos nós quem controla, quem comanda, quem ordena... e a máquina sob os nossos pés obedece instantaneamente, sem resmungar, sem greves, queda e muda como um sindicalista nos tempos da "outra senhora"...
O problema, meus senhores, é que são muitos assim na mesma estrada...
Ultrapassagens sem sentido e perigosas, o não cumprimento do código de estrada que regulamenta as nossas acções, a "nabice" de muitos, que ainda pensam que estão sós na estrada...
No final, Portugal é um dos países do mundo com maior percentagem de mortes por acidente de viação...
Dos cerca de 10 mil acidentes anuais, cerca de 3500 resulta em mortes. Ainda bem! Se os prevaricadores morrerem, óptimo! Diminui a probabilidade de novos acidentes! Pena são os que de nada têm culpa e se limitavam a andar "na sua mão", contentes da vida, despreocupados... Desses será o reino dos céus...
Mas o que me irrita ainda mais profundamente é a impunidade (palavra já por si provocadora de irritações!) com que os assassinos das nossas estradas se "safam" das suas responsabilidades...

EN 109. Um pai levava a sua filha pequena no banco de trás. A fila era extensa, parecia não acabar. Como o fazia todos os dias, esperava pacientemente para que a fila andasse. Atrás da sua viatura, um outro maralhal de veículos esperava, com a paciência própria de quem diariamente enfrenta a dura realidade das estradas portuguesas. No rádio, tocava uma qualquer música numa qualquer frequência, e que o pai assobiava insistentemente, meio desafinado. Mas a criança ria, e o riso de uma criança compensa qualquer "azia" provocada pelo aglomerado de metal que, qual cascavél, serpenteava pela estrada. O riso de uma criança soa bem mais alto e mais límpido do que qualquer buzina "paneleirenta" com a música da Ponte do Rio Kwai. Do outro lado, na outra faixa, o trânsito fluia, como um riacho deleitando-se com o gozo de ver os restantes parados.
E assim, num ápice, uma besta disparada, que saiu rastejando de uma qualquer pedra, qual verme que deve ser esmagado com a potência máxima dos nossos sapatos e do nosso asgo, decide não esperar, e enfrenta o riacho com uma covarde bravura, esquecendo-se, porém, de que a água, por ser mole, não significa falta de força...
Num rasgo de lunatismo, sai do riacho e choca contra a serpente, precisamente no local onde um pai assobiava e uma criança ria!
E como é trágico... O pai não assobia mais, escoado que está de alegria, que sabe nunca mais a sentir! A criança não mais ri...
A besta, essa, foi condenada a uma multa de 750 euros e pode continuar na estada, impunemente, a matar...
Amanhã poderá ser um de nós, sem apelo nem agravo...

E isso irrita-me profundamente...

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