terça-feira, fevereiro 13, 2007

Carta Aberta a Bento XVI

Eminência,
Sei de antemão que este singelo post nunca chegará a ver a luz do dia no Vaticano. É herege.
Ainda assim, gostaria de responder de forma clara e aberta às suas declarações. Acabei de ler num dos jornais diários de maior circulação em Portugal que V. Eminência terá dito que "Nenhuma lei dos homens pode subverter a lei divina sem que a sociedade seja dramaticamente afectada". É mentira! Pode e deve "subverter". A "lei divina" foi escrita e compilada por homens e desde já a sua teoria cai por terra.
Vivo num país terceiro-mundista que só agora, no dealbar do século XXI, acorda para a realidade de igualdade, da justiça e da inteligência ao serviço do seu povo. Que só agora, no início de uma dura batalha contra as adversidades que o novo milénio irá, com todas as certezas, apresentar, que só agora, repito, tomou consciência da sua individualidade no contexto planetário sem, com isso, colocar em causa as crenças de todos quantos habitam neste "pequeno jardim à beira-mal plantado".
A República Portuguesa, como V. Eminência deveria saber, tem uma Constituição. Um documento que serve de rol para os direitos e deveres fundamentais da nossa sociedade. Uma espécie de manual de instruções, se preferir.
Nesse manual, chamemos-lhe então assim, são referidos alguns pontos dos quais se V. Eminência tivesse conhecimento, não teria (penso eu, mas agora estou a extrapolar...) afirmado o que afirmou.
Um manual que nos diz que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária"(art. 1º) , que refere que "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa"(art. 2º), que afirma que "Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade"(art. 7º, parágrafo 1) , e que aponta como tarefa fundamental do Estado a "Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais"(art. 9º, alínea d).
No cúmulo, o nosso manual é taxativo ao afirmar que "O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição"(art. 10º, parágrafo 1).
Foi isso que aconteceu, Eminência. O povo, no uso da sua liberdade e livre-arbítrio, falou. Gritou aos quatro ventos que crime é deixar mulheres morrer em vãos de escada, que crime é fechar os olhos, assobiar para o lado e fingir que o problema não existe, que crime é denunciar o uso do preservativo quando a Humanidade se vê a braços com o flagelo do HIV.
Não acredito em Deus, Eminência. Mas, partindo da ínfima possibilidade que Ele existe, não acredito que gostaria de ver o produto da sua criação, feito à sua imagem e semelhança, morrer por "dá cá aquela palha".
Quando a "lei" de Deus falha (e falha!), a lei dos homens é o único sustento. Para o bem e para o mal.

3 comentários:

Alien David Sousa disse...

Karl, gostei bastante da tua carta aberta a Bento XVI. Sim, ela nunca verá a luz do dia.Mas gostei. Gostei especialmente da forma como arremataste o texto:
"Quando a "lei" de Deus falha (e falha!), a lei dos homens é o único sustento. Para o bem e para o mal."

Assim como algo que partilho contigo:
"não acredito que gostaria de ver o produto da sua criação, feito à sua imagem e semelhança, morrer por "dá cá aquela palha".

É isto que muitos católicos não entendem. Deus não criou o homem para este sofrer horrores. Ele deu-lhes um cérebro e o chamado livre arbítrio. Se nos concedeu o livre arbítrio é para o usarmos. E foi isso que fizémos neste referendo. E mais palavras para quê?
Beijos

Karl Macx disse...

"E foi isto que fizemos neste referendo." E fizémo-lo tão bem, não foi?
Ainda bem, minha amiga, ainda bem...

Alien David Sousa disse...

Foi Karl. Foi mesmo.:)
Beijos